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terça-feira, 19 de março de 2019

OS PENTECOSTAIS E O IMAGINÁRIO DO FINS DOS TEMPOS

1 - Os Últimos Dias: Os Pentecostais E O Imaginário Do Fim Dos Tempos

Resumo

O pentecostalismo brasileiro, em suas diferentes expressões, vem sendo investigado, por diferentes pesquisadores, devido ao seu expressivo crescimento no número de adeptos e à sua visibilidade. Porém, sobre a relação entre pentecostalismo e escatologia somente tem sido apontada, indiretamente, sua importância nas origens do movimento pentecostal. Este estudo busca compreender a mentalidade dos pentecostais da Assembléia de Deus de Belo Horizonte (MG) relacionada ao imaginário do fim dos tempos, nas três últimas décadas do século passado, interligando uma análise da hermenêutica bíblica desse grupo relacionada à emergência dos últimos dias, com sua interpretação dos acontecimentos históricos à luz da perspectiva do fim da história e com a construção de uma identidade própria e diferenciadora de outros grupos cristãos, na qual a escatologia é um dos elementos centrais. Foram pesquisados depoimentos orais e fontes escritas

Introdução

Domingo à noite. Culto no Templo Central da Assembléia de Deus em Belo Horizonte, MG. Depois de decorrido um longo período sem que participasse de uma reunião formal na igreja em que passei parte da minha infância e adolescência, retorno, agora, com o objetivo de iniciar minha pesquisa de campo e, também, rememorar alguns fatos e acontecimentos de anos anteriores que se perderam na minha memória. Primeira surpresa: a manifestação cúltica da congregação é bastante semelhante àquela das décadas passadas. Segunda surpresa: é cantado pela congregação um hino que possuía uma estreita relação com meu objeto de pesquisa:
Quando lá do céu descendo para os Seus Jesus voltar, E o clarim de Deus a todos proclamar, Que chegou o grande dia do triunfar do meu Rei, Eu, por Sua imensa graça lá estarei.

Coro

Quando enfim, chegar o dia Do triunfar do meu Rei, Quando enfim, chegar o dia Pela graça de Jesus eu lá estarei! Nesse dia, quando os mortos hão de a voz de Cristo ouvir, E dos seus sepulcros hão de ressurgir, Os remidos reunidos, logo aclamarão seu Rei, E, por Sua imensa graça lá estarei. Pelo mundo, rejeitado foi, Jesus, meu Salvador. Desprezaram, insultaram meu Senhor, Mas, faustoso, vem o dia do triunfar do meu Rei, E, por Sua imensa graça lá estarei. Em mim mesmo, nada tenho em que possa confiar, Mas Jesus morreu na cruz prá me salvar; Tão somente nEle espero, sim e sempre esperarei, Pois, por Sua imensa graça lá estarei
O fato de que este cântico ainda estivesse sendo cantado com vigor pela comunidade apontava para certa perplexidade que viria das entrevistas que seriam posteriormente realizadas. Esta pesquisa se iniciou com uma suspeita: a mentalidade escatológica dos pentecostais da Assembléia de Deus e particularmente da Assembléia de Deus em Belo Horizonte teria conhecido seu ápice entre os anos 80 e início dos 90. Por quê? Politicamente, o Brasil superava o apogeu da ditadura militar lentamente em direção à distensão do regime autoritário e à democratização, passando da perseguição aos comunistas e aos opositores do regime para o retorno dos perseguidos através da anistia e à abertura política. Por outro, o debate em torno do perigo da destruição do mundo através de uma hecatombe nuclear tornava-se mais acessível ao homem comum, principalmente através da popularização da mídia. A televisão começava seu ritmo espantoso de crescimento em direção a todas as classes sociais brasileiras, a partir de fins dos anos 60 e início dos 70, tornando mais fácil o acesso à informação da população, apesar da tentativa de controle dos meios de comunicação através da censura. 4Dentro do ambiente pentecostal, os livros e as matérias jornalísticas de conteúdo apocalíptico reproduziam, com certas peculiaridades, o imaginário da sociedade brasileira.
Depois deste período, esta mentalidade conheceu uma fase de latência entre aqueles pentecostais que viveram estes anos, se estendendo até os dias atuais, conforme será verificado mais adiante. Primeira definição necessária. O que entendemos por mentalidade? Segundo Le Goff, o substantivo mentalidades agrupa as noções de grupo de crenças, de práticas, de sistemas de valores, de comportamento, de atitudes, de idéias, de costumes, de pensares, de sentimentos.

Segunda Definição Necessária. O Que Entendemos Por Escatologia? Para Moltmann:

Na realidade escatologia é idêntica a doutrina da esperança cristã, que abrange tanto aquilo que se espera, como o ato de esperar, suscitado por esse objeto. O Cristianismo é total e visceralmente escatologia, e não só a moda de apêndice (...) De fato, a fé cristã vive da Ressurreição do Cristo crucificado e se estende em direção às promessas do retorno universal e glorioso de Cristo. A definição proposta por Moltmann se insurge contra uma noção puramente dogmática da escatologia cristã e se aproxima da noção de espera, da esperança de algo novo em oposição a uma realidade presente. É espera por Cristo, pelo Cristo ressuscitado, situada no porvir, mas que opera mudança no cotidiano dos cristãos e na sua missão e ação salvífica e transformadora do status quo. Portanto, mentalidade escatológica pode ser definida como uma preocupação com o porvir vivenciada pelo fiel no presente, que envolve suas crenças, sentimentos e anseios e que se traduz numa linguagem através da qual espera-se pelo retorno iminente de Cristo.
O pentecostalismo no Brasil é um fenômeno religioso que tem seu nascimento nos primeiros anos do século XX. Em seu início, o movimento pentecostal brasileiro possuía uma forte ligação com seu similar norte-americano, devido ao fato que os primeiros missionários que aqui aportaram, apesar da nacionalidade européia, eram imigrantes naquele país. Ambos pentecostalismos se tornaram independentes um do outro, guardando suas próprias especificidades. Porém, é claro que houve influências provenientes dos primeiros missionários suecos que chegaram ao Brasil e que possuíam uma cosmovisão forjada no meio pentecostal de Chicago, EUA.
Dayton, ao estudar a pré-história do movimento pentecostal nos EUA, localizando-o no século XIX, efetua uma busca pelas suas raízes teológicas. Ele sintetiza em quatro afirmações cristológicas a essência de uma igreja que se diz pentecostal: Cristo como Salvador, Cristo como batizador com o Espírito Santo, Cristo como aquele que cura enfermidades e Cristo como Rei que virá outra vez.Do ponto de vista da história nascente do pentecostalismo norte-americano, a escatologia seria um dos traços essenciais? Consideraremos dois protagonistas históricos a fim de iluminar esta questão. Charles Parham é considerado o pioneiro do pentecostalismo nos EUA.
Através de sua direção, estudantes da Escola Bíblica de Betel, em Topeka, Kansas, foram ensinados a buscarem pela verdadeira evidência do recebimento do Espírito Santo através do estudo do capítulo segundo do livro de Atos dos Apóstolos. Uma das alunas, Agnes Ozman, em 01 de janeiro de 1901, se tornou a primeira a falar em línguas estranhas, experimentando, segundo ele, a evidência inicial do derramamento do Espírito Santo da mesma forma que os apóstolos no dia de Pentecostes. Nos dias posteriores a esse acontecimento, o próprio Parham e outros estudantes passaram pela mesma experiência. Posteriormente, ele iniciou a publicação de um periódico quinzenal, denominado Apostolic Faith, que se tornou o principal veículo de difusão de seus ensinamentos. "Ele contribuiu para a definição das doutrinas básicas que posteriormente definiram o movimento pentecostal: conversão pessoal, santificação, cura divina, pré-milenismo e retorno escatológico do poder do Espírito Santo evidenciado pela glossolalia" (tradução nossa).
O afro-americano William Seymour também é considerado um dos mais importantes líderes da primeira geração pentecostal. Após ouvir Charles Parham em Houston, Texas, ele recebeu um convite para pastorear uma pequena comunidade em Los Angeles. Teve um papel destacado no movimento conhecido como Azusa Street Mission. Ele e seus discípulos contribuiram para dar um caráter mundial ao nascente pentecostalismo, visto que este movimento se tornou um grande centro de difusão da mensagem pentecostal. O significado de Azusa foi centrifugal - aqueles que eram tocados por ele levavam suas experiências para outros lugares e tocavam a vida de outras pessoas.
Reunidos pela crença e pelos conceitos teológicos de salvação pessoal, de santidade, de cura divina, do batismo com o Espírito Santo como autoridade para o ministério, e pela expectativa do iminente retorno de Jesus Cristo, eram amplamente providos de uma grande motivação para dar ao despertamento verificado entre eles um impacto de longo alcance (tradução nossa). Estes movimentos relacionavam escatologia e pneumatologia. A crença na atualidade da experiência do derramamento do Espírito Santo, à semelhança dos tempos apostólicos, sinalizava que os últimos dias haviam chegado. E esta dupla percepção contribuiu para que um sentido de urgência se acercasse dos primeiros pentecostais, razão porque um intenso movimento missionário se alastrou pelo próprio EUA e pelo mundo, nas duas primeiras décadas do século XX.
A escatologia também poderia ser considerada um tema importante para o pentecostalismo brasileiro? Alencar, ao estudar em sua dissertação de mestrado a origem e a implantação da Assembléia de Deus no Brasil, de 1911 até 1946, anota que "A AD [Assembléia de Deus] tem em seu ethos uma natureza de ‘aversão ao mundo’ que se justifica por razões internas: sua escatologia iminente não lhe dá tempo para pensar no presente"(grifo do autor).Em outra passagem, após analisar as edições do jornal Boa Semente - primeira publicação oficial da igreja -, entre os anos de 1919 a 1929, diz: "Há uma forte convicção da verdade (no caso, doutrina pentecostal) aliada a um senso de urgência (escatologia) de que se precisa fazer o máximo no menor tempo possível". Freston faz uma referência indireta ao discurso apocalíptico ao afirmar que:
O auge da presença sueca foi nos anos 30, com cerca de 20 famílias missionárias. Depois de 1950, o fluxo praticamente cessou [...] Suecos ocuparam a presidência da Convenção Geral até 1951. Quando a último leva de missionários chegava ao Brasil, a sociedade sueca se transformava numa próspera social-democracia e, depois, na vitrine da sociedade permissiva. pentecostalismo sueco, por sua vez, adquiria maior respeitabilidade, moderando seu discurso apocalíptico e estabelecendo uma série de instituições próprias. Mas essa nova fase do pentecostalismo sueco não deixou marcas na AD do Brasil.
Souza, no primeiro livro publicado no Brasil sobre os pentecostais, afirma que "Mencionada pelos líderes e na literatura doutrinária, a crença a respeito da segunda vinda de Cristo não constitui para os fiéis, como pudemos observar, motivo de interesse comparável ao encerrado nas principais doutrinas do Pentecostalismo [batismo do Espírito Santo e dons espirituais, citadas anteriormente]." Estes três exemplos ilustram a dificuldade de se trabalhar com esta temática da escatologia dentro do pentecostalismo brasileiro, visto que não houve, até o presente, um aprofundamento por parte dos pesquisadores neste tema específico.
Nossa investigação transcorreu em duas frentes de trabalho: a primeira analisou as fontes escritas produzidas pela teologia oficial da igreja, privilegiando as matérias publicadas pelo jornal Mensageiro da Paz. A segunda constou das entrevistas efetuadas com alguns membros da Assembléia de Deus em Belo Horizonte. Por que fazer uma relação entre a documentação oficial e as entrevistas efetuadas diretamente com os pentecostais? Em primeiro lugar, no início dos anos 80, o Mensageiro da Paz começou a ter uma penetração muito grande em algumas igrejas locais, resultado de uma política de expansão da distribuição, por parte da direção do jornal, realizando uma parceria com os líderes das igrejas e incentivando a aquisição, com preços reduzidos. Lançou-se, então, uma campanha nacional de ampliação do público leitor e da base de assinantes. A igreja de Belo Horizonte engajou-se prontamente
. Foram adquiridos por mês, inicialmente, 1.000 exemplares de maio/1981 a fevereiro/1982; 2.000 exemplares de março a junho/1982; 4.000 exemplares de julho/1982 a maio/1983; 5.000 exemplares de junho a setembro/1983; 6.000 exemplares de outubro/1983 a setembro/1984; 4.000 exemplares de outubro/1984 a março/1989. 16 Os jornais eram vendidos em uma livraria localizada na entrada do templo, por ocasião dos cultos regulares - reuniões de obreiros, de oração, de doutrina, de professores da Escola Bíblica Dominical, Ceia do Senhor - , por intermédio de oficiais da igreja. Conclui-se, portanto, que, nestes anos, as matérias jornalísticas tiveram algum tipo de penetração entre os membros da comunidade, alcançando, pelo menos, seus membros letrados. Por isto nossa opção por estes dois tipos de fontes, com a expectativa de que, através da conjugação de ambas, seria possível aproximarmos melhor de uma mentalidade escatológica pentecostal, nem puramente clerical, nem plenamente laica.

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