Todos reconhecem que a Bíblia está repleta de linguagem figurada. Com base nisso, muitas
vezes afirma-se que o uso de linguagem figurada exige interpretação fi-gurada. Figuras de linguagem, no entanto, são usadas como meios de revelar verdades literais. O que é literalmente verdadeiro em determinado campo, com o qual estamos familiarizados, é transposto literalmente para outro campo, com o qual talvez não estejamos tão familiarizados, para nos ensinar alguma verdade nesse campo menos conhecido. Essa relação entre verdade literal e linguagem figurada é bem ilustrada por Gigot: Se as palavras são empregadas em seu significado natural e primitivo, o sentido que expressam é o seu sentido literal estrito. Por outro lado, se são empregadas com um significado figurado e derivado, o sentido, embora ainda literal, é geralmente chamado metafórico ou figurado. Por exemplo, quando lemos em João 1.6 "Houve um homem [...] cujo nome era João", é óbvio que os termos ali empregados são tomados estrita e fisicamente, pois o escritor fala de um homem real, cujo nome real era João. Por outro lado, quando João Batista, apontando para Jesus, disse: "Eis o Cordeiro de Deus" (Jo 1.29), também é claro que ele não usou a palavra "cordeiro" no mesmo sentido literal estrito que teria excluído toda metáfora ou figura de linguagem e denotado um cordeiro real: o que ele queria imediata e diretamente comunicar, isto é, o sentido literal de suas palavras, é que no sentido derivado e figurado Jesus podia ser chamado "Cordeiro de Deus". No primeiro caso, as palavras foram usadas em sentido literal estrito; no segundo, em sentido metafórico ou figurado. O fato de os livros das Sagradas Escrituras terem sentido literal (estrito ou metafórico, conforme explicado), isto é, sentido imediata e diretamente pretendido pelos escritores sacros, é uma verdade tão clara em si mesma e ao mesmo tempo tão universalmente aceita, que seria inútil insistir nela aqui [...] Será que alguma passagem das Sagradas Escrituras tem mais que um sentido literal? [...] todos admitem que, uma vez que os livros sagrados foram compostos por homens e para homens, seus autores naturalmente conformaram se à mais elementar regra dos relaciona-mentos humanos; que exige que apenas um sentido preciso seja imediata e diretamente pretendido pelas palavras de
quem fala OU de quem escreve... (Francis E. GIGOT, General introduction to the study of the Holy Scriptures, p. 386-7) Craven afirma a mesma relação entre linguagem figurada o verdade literal: Dentre os pares terminológicos escolhidos para designar as duas grandes escolas de exegetas proféticos, nenhum poderia ser mais infeliz que literal e espiritual. Esses termos não são antitéticos, nem retratam da maneira devida as peculiaridades dos respectivos sistemas para cuja caracterização são utilizados. São indiscutivelmente enganosos e tendenciosos. Literal não é antônimo de espiritual, mas de figurado; espiritual está em antítese, por um lado, a material e, por outro, a carnal (num mau sentido). O (chamado) literalista não é quem nega o uso na profecia de linguagem figurada ou de símbolos; tampouco nega que grandes verdades espirituais se-jam ali propostas; sua posição é, simplesmente, que as profecias devem ser interpretadas normalmente (i.e., de acordo com as leis aceitas da Linguagem) como quaisquer outros pronunciamentos —considerando-se como tal qualquer que seja manifestamente figurado. Aposição dos chamados espiritualistas não é o que se entende estritamente pelo termo Espiritualista é quem afirma que, embora certas partes das profecias devam ser normalmente interpretadas, outras devem ser consideradas portadoras de sentido místico (i.e., com algum significado secreto). Assim, por exemplo, os chamados espiritualistas não negam que, quando o Messias é descrito como "varão de dores e homem que sabe o que é padecer", a profecia deve ser normalmente interpretada; todavia, afirmam que, quando se diz que Ele "virá com as nuvens do céu", essa linguagem deve ser "espiritualmente" (misticamente) interpretada [...] Os termos que expressam estritamente essas duas escolas são normal e mística. (John Peter LANGE, Commentary on the Holy Scriptures: Revelation, p. 98.) Observar-se-á, assim, que o literalista não nega a existência de linguagem figurada. Ele nega, todavia, que tais figuras devam ser interpretadas de modo que destruam a verdade literal pretendida pelo
emprego das figuras. A verdade literal deve ser informada por meio dos símbolos.

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